29.2.08

PRECISO DIZER QUE TE AMO
Cazuza, Dé, Bebel Gilberto

Quando a gente conversa
Contando casos, besteiras
Tanta coisa em comum
Deixando escapar segredos
E eu não sei que hora dizer
Me dá um medo, que medo

Eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo
Tanto

E até o tempo passa arrastado
Só pr’eu ficar do teu lado
Você me chora dores de outro amor
Se abre e acaba comigo
E nessa novela eu não quero
Ser seu amigo

É que eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo, tanto

Eu já nem sei se eu tô misturando
Eu perco o sono
Lembrando cada gesto teu
Qualquer bandeira
Fechando e abrindo a geladeira
A noite inteira

Eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo, tanto

Ouvi essa música hoje, tanto tempo que não a escutava... gosto demais do Cazuza. A minha geração cresceu dizendo que Renato Russo explicava como ninguém os nossos sentimentos. Eu discordo, os meus, quem explica é o Cazuza. Na minha humilde e leiga opinião, muito mais guerreiro, desbocado, abusado. Suas letras são todas carregadas, seja de amor, de tesão, de raiva, de álcool. Desde a minha adolescência, é ele quem me traduz quase sempre.

Ano Bissexto

Eu entrei, logo cedo, no Wikipédia pra pesquisar a origem do ano bissexto. Não que eu não saiba o por quê, mas queria uma explicação científica pra colocar aqui. Lá tem, científica e histórica. Mas, cá entre nós... sacanagem, não? Tudo bem que precise enfiar aquelas horas que sobram todo ano em algum dia, mas, daí a obrigar a gente a trabalhar mais um dia no ano, também já é demais!

Já que esse é um dia composto de "sobras", devíamos decidir o que fazer dele. Quando sobra uma grana no fim do mês, decidimos o que fazer com ele. Podemos guardar, gastar, doar. E quando sobra umas horas no seu dia? Dicidimos se queremos utilizá-las em outras atividades ou se queremos apenas direcioná-las para o ócio.

Eu quero decidir o que fazer com esse dia que sobra. E com certeza não gastaria indo trabalhar.

O que você faria com um dia todinho pra gastar? 24hs todas suas, pra você? O que faria?


26.2.08

Eu não sou dessas!

ou Professores Pré-Fabricados

- Professora, que escândalo! O que os alunos vão pensar de você com essa tatuagem à mostra?

- Vão pensar que sou quase normal, dona Diretora...

Por que professor não pode ser como todos os outros seres vivos da face da terra? Vejam os publicitários. Conheço uns que são verdadeiros porra-loucas, e nem por isso deixam de exercer de forma competente a sua profissão. Outro exemplo? Médicos fumam e bebem. Mais um? Engenheiros e analistas de sistemas também bebem, praticam body art e ainda assim, trabalham bonitinho. Por que raio de motivo professores devem ser os seres mais imaculados do mundo?

Tenho tatuagens, tenho piercings, tenho o cabelo tão vermelho que tá quase rosa, gosto de rock e durante seis horas por dia, em média, leciono. Onde está a incompatibilidade? Ah, nas horas vagas saio, danço, rio, choro, e ainda falo palavrão.

Mas é estranho, tem pessoas que acham que existe uma forma pré-definida de professora. Ela deve ser casada, ter pelo menos um filho, vestir-se discretamente, não falar alto, não dar gargalhada (muito menos em sala de aula!), não sair, não beber, e acompanhar o BBB no começo do ano. Cinema só com os filhos e música só MPB da mais pop.

Francamente! Eu não pertenço à esse mundo, nem sou atriz, como já disse, sou professora. Não sei fingir o que eu não sou. Tem alunos que cumprimento com beijo no rosto mesmo, sento pra conversar com eles mesmo, e sei muito bem o meu lugar na sala de aula. Sou muito "macho" pra garantir a ordem e o bom andamento das aulas. Sei também que graças a esse meu jeito, muitos alunos e alunas que não tem com quem conversar em casa, vêm, se abrem, escutam alguns conselhos e deixam de fazer algumas besteiras. Ou ser professor é só falar sobre a matéria? Eu não consigo. E ainda garanto meu planejamento, pode crer.

Desculpe-me, dona Diretora, não sou do tipo que você está pensando.


Olha só a minha cara de professora, pô!
E aí eu estava trabalhando, in action!

25.2.08

45 (último ato)

Sexta-feira. Trabalhava na parte da tarde, tomava um banho e saía correndo rumo à outra escola. Seria exibido naquela noite o último capítulo da novela das oito, evasão escolar garantida. Provavelmente ela sairia mais cedo e encontraria suas amigas, vestiu-se mais à vontade, de vestido. Fazia um calor dos infernos.

As expectativas se confirmaram, poucos alunos na escola. Provavelmente ele não estaria por lá também. Ela subiu pra sala, encontrou pouco mais de meia dúzia esperando sua aula, mas ele estava lá.

Quarenta e cinco minutos depois bate o sinal, intervalo. Todos saem da sala, menos um, ele. Ela recolhe os materiais com a mão já suando, gelada. Só queria não querer, só pensava em não pensar. Caminhou até a porta, onde ele a esperava.

Pensamentos mil: não faça; faça; aproveite; fuja; corra, fique; encoste a porta; vá embora.

Ele fechou a porta, veio ao seu encontro.

- Professora, eu não estou brincando, você está me deixando louco.

- Você também está me deixando louca.

Beijaram-se. Os pensamentos na cabeça dela agora pareciam ferver, correr. Uma loucura, não conseguia mais pensar em nada, sentia as mãos, o cheiro, a pele, seu corpo de encontro ao dele, os sons que daquele beijo proibido. Deixou-se levar, completamente dominada por aquele rapaz. Sempre foi louca por homens dominadores, que não dão oportunidade de resistência, mas isso nunca tinha ido além dos seus sonhos secretos.

Ficaram ainda uma meia hora ali, sem falar quase nada, seguindo apenas suas vontades. A escola estava já vazia, os poucos presentes foram embora. Também não poderiam continuar ali. Fizeram o trato de jamais contar a ninguém, arrumaram-se e ele foi embora antes dela. Ela desceu as escadas ainda sem ouvir som nenhum, chocada com o que acabara de acontecer. Sentia suas pernas tremerem.

- Professora, me espere!

Susto. Uma colega chamando, tinha ficado um tempo na sala de aula corrigindo provas. No mesmo andar. Teria visto algo? Escutado algo? Teriam eles feito barulho? Ela não conseguia pensar mais, nem lembrar.

Nas semana que se seguiu voltaram a se encontrar, não na escola. Ela tinha quase todas as noites livres. Ele ainda faltou dois dias, só pra encontrá-la. Até o dia em que ele sugeriu algo mais sério. Entendia que na escola não poderiam se encontrar, mas queria uma coisa séria.

A professora não aceitou, mas foi ver seu prontuário na secretaria. Número 45 da oitava, suplência, por favor. Nome completo, filiação, endereço, nascido em 1989. 18 anos. Não era possível. Não estava apaixonada, mas foi um outro choque. Como pode sentir tamanha atração por alguém 10 anos mais jovem? E ele, o que viu numa professora, por que ela e não as meninas da idade dele?

Viram-se ainda uma vez fora da escola, e nunca mais se encontraram. Nunca ninguém soube de nada, exceto amigos muito íntimos dela, e dele, provavelmente. Ela ainda se pergunta o que ele teria visto nela.

24.2.08

Chega de Saudade

É, a professora foi aluna também, e não faz tanto tempo assim. Nessa época, confesso, não fui boa aluna. Não desrespeitava professores, pelo contrário, tinha uma baita admiração por eles, mas isso não tinha nada a ver com os meus objetivos dentro (e fora) da escola.

Adorava a escola, era lá que estavam meus melhores amigos. Esse aí da foto é o Rômulo, não lembro ao certo quando e por quem essa foto foi tirada, só sei que foi em 1996, segundo ano do colégio.

Época em que a gente não tava nem aí para o que os outros falavam. Foda-se (ops) se a sala toda achava que a gente tinha algo, o que importava era a comapanhia fiel, sempre. Como toda amizade que tive, não foi sempre lindo, brigamos muito também, mas isso sempre fez parte da minha vida. Sempre gostei de pessoas que não concordam em tudo comigo, e esse era o Rômulo. Entre uma confissão e outra, me recriminava, dizia que eu estava fazendo errado, e o pior, ainda dizia que meu futuro era com ele, rsrs. Ah, éramos as ovelhas negras da sala, onde já se viu, amizade entre menino e menina, e os dois roqueiros, ninguém dava bola pra gente. Por um tempo, fomos só nós dois.

Mas por que a foto dele, por que entre tantos, exatamente a foto dele aí hoje? Porque ontem, no show da banda Destroyer nos encontramos. Na verdade ele me encontrou, eu tive que perguntar seu nome. Ele mudou muito, parece que nem era tão alto, engordou também. É professor também, percorreu o mesmo caminho que eu, contabilidade, Ciências Sociais, sala de aula, bares rock n' roll. Trocamos telefone, até sexta nos falamos e marcamos a cerveja de 12 anos atrás.


Even flow, thoughts arrive like butterflies
Oh, he don't know, so he chases them away
Someday yet, he'll begin his life again
Life again, life again...

Pearl Jam, Even Flow, o que ouvíamos naquela época.

21.2.08

45

Era já o final da aula quando aquele aluno a pediu, em particular, um conselho. Perguntou-lhe sobre teste vocacional, afinal, já estava na oitava série, no curso supletivo, em um ano e meio prestaria vestibular. Na mesma noite ela chegou em casa e foi pesquisar. Aquele rapaz chamava sua atenção. Ela, que nunca foi boa em guardar nomes, sabia muito mais do que seu número da chamada, o 45. Sentava-se na frente da sua mesa, quando tirava dúvidas sobre a aula, olhava-a nos olhos. Chegava a intimidá-la.

Na noite seguinte a professora entregou o bilhete com telefones de locais onde ele poderia realizar o tal teste.

- Professora, sei que está solteira, não quer ir ao cinema comigo hoje?

Ela sentiu como se o chão estivesse tremendo. Suas mãos ficaram geladas, e a voz demorou para sair. Balançou a cabeça, não. Olhou novamente em seus olhos.

- Você é meu aluno, não confunda as coisas.

Seu casamento havia terminado recentemente, não pensava na possibilidade de que alguém poderia convidá-la, sem mais nem menos, para ir ao cinema. Um aluno! Logo depois contou para as pessoas mais próximas e ouviu atentamente todo tipo de palpites:

- Ele é seu aluno, nem pense numa coisa dessas!

- Ele é adulto, você também, são livres. Fora da escola, não existe impedimento.

- Cuidado, você pode perder o controle da situação...

- Que legal! Ele é uma graça, não há problema algum!

A cada palpite ela ficava mais confusa. Resolveu esquecer aquele assunto, só o veria na semana seguinte, até lá já teria esquecido o susto. Mas passou os dias seguintes chocada com a proposta, tentada, e com vergonha de tudo o que estava sentindo.


(continua)

20.2.08

O Pai

Última aula. Pensava que o dia havia sido relativamente calmo. Naquele momento, por volta das 18h, ela estava sentada na cadeira pela primeira vez no dia, os alunos desenhando os perigos de uma viagem durante as Grandes Navegações. Diversão e descanso garantidos por pelo menos 20 minutos.

Mas não estava sentada apenas pensando. Ao longo dos anos aprendeu a pensar, observar e ainda escrever, anotar o que fosse necessário na burocrática rotina educacional, tudo ao mesmo tempo. A porta aberta, brisa fresca na tarde abafada. Alunos entretidos, silêncio. Pensando que não precisava observá-los tanto, resolve adiantar as anotações, que não são poucas.

Por quase um segundo, nota que está sendo observada. Seria comum se o observador estivesse na sua frente, sentado nas carteiras, mas não estava. Ele estava à porta, parado, olhando.

E por um pouco mais que um segundo, ela o observa também, tentando lembrar de onde conhece aquele homem alto, claro, de olhos verdes. De volta à realidade, levanta-se e vai até ele. Está tendo reunião de pais na escola, ele deve ter vindo ver o filho, ou levá-lo embora.

- Boa tarde, professora, sou o pai da Maria. Acabei de sair da reunião, posso levá-la pra casa?

- Sim, claro, pai. Mas hoje é o primeiro dia de aula aqui, quem é a sua filha mesmo?

Disse isso olhando pra sala, sabia mais ou menos onde a garota estaria, a sala foi organizada por ordem alfabética. A garota imediatamente começou a organizar o material.

- Professora, você freqüentava a Sunshine, não? Será que ainda lembra de mim?

Por um momento ela olha fixamente para aquele homem. Seus olhos! Ali de perto, lembra-se de quando os via de mais perto ainda, em ângulos diferentes daquele. E lembra do seu cheiro, e das tardes de domingo esticadas até o anoitecer, na velha praça.

- Sim... lembro de você. Mas e aí, que mundinho... o que você fez da sua vida?

- Casei com a Bete, que conheci lá também, lembra? Temos dois filhos, a Maria é a mais velha. E você, casou?

- Não. Continuo saindo pra dançar. (Risos)

A garota chegou até a porta, pegou na mão da pai.

- Obrigado professora. Até mais.

Ela ficou observando da porta, com as mãos nos bolsos do avental. Eles estavam prestes a cruzar o portão ela ainda o viu olhando para trás, sem que a filha notasse. Virou-se para a sala. Pediu que começassem a guardar o material. Pensou mais uma vez ainda, que mundinho pequeno. Sentiu uma vontade quase incontrolável de sorrir, feliz com o rumo que sua vida tomou.

O Semáforo

Segundo dia de trabalho efetivo. Seis anos atrás, percebeu que havia descoberto o que queria fazer pelo resto da vida, lecionar. Mas até os trabalhos mais maravilhosos apresentam dificuldades, ainda que esporadicamente, mas aprensentam. E o magistério não é o trabalho mais maravilhoso do mundo, na verdade é um sacerdócio. É necessário se entregar de corpo e alma e de vontade própria. Caso contrário, adoecerá nos primeiros meses.

E hoje havia sido um dia difícil. Um dia não, na verdade, os últimos 50 minutos foram difíceis. Suficientemente pra manchar os feitos das últimas aulas, que foram bem prazerozas. Sexta aula. 35 alunos impacientes, querendo ir ao banheiro, ir beber água, ir embora, não assistir aula. Pudera, pensou: "eu, sentada nessa carteira desde às 13h, com esse calor, também estaria impaciente". E ela já estava impaciente. 10 minutos pro final, passou a pergunta para ser respondida na aula seguinte. Enfim, tchau professora.

Com a sala vazia, empilhou os materiais nos respectivos montes, arrumou uma ou outra carteira fora do lugar e juntou suas coisas. Lembrou que não tem armário ainda. Escola nova, não conhece ninguém, fala com quase ninguém e tem quase nada. Já sem a necessária paciência guardou todo o material em sua bolsa e foi embora. No portão notou que estava de avental. Não tirou, foi direto pro carro, que estava na rua, afinal, nem o controle do estacionamento ela tem ainda. Paciencia.

Liga o carro, liga o som. Beatles não agrada, troca pro rádio. Qualquer coisa. Trânsito das 18h30m. Tchau professora, gritam da avenida, o carro em movimento lento demais pro seu gosto.

Rua Oratório, sinal fechado. Por um instante, percebe a lua já visível, linda. Ainda é dia, e ela já está lá, cheia, maravilhosa. Lua cheia. Noites de lua cheia são as mais difíceis de se ficar em casa, essas noites enluaradas a excitam. No rádio, uma das vozes que embalaram sua infância e adolescência. Por um momento lembrou das coisas e das pessoas que gosta, e de quem é, quando tira aquele avental com cheiro de giz. O semáforo abriu.

Chegou em casa mais leve, feliz.


Espero que o tempo passe
Espero que a semana acabe
Pra que eu possa te ver de novo

Espero que o tempo voe
Para que você retorne
Pra que eu possa te abraçar
E te beijar
De novo

N, Nando Reis