23.8.11

Coração Dodói?

Hoje descobri (ou assumi? ou aceitei?) que uma parte do meu coração tá dodói. Não é aquela parte que cuida de levar o sangue pro resto do corpo, essa parte faz o seu trabalho direitinho. Nem é aquela parte onde algumas pessoas tem uma casinha com vista pro mar e moram lá. Não. É uma parte que me dizia há muitos e muitos anos o que eu faria da vida, mesmo eu fazendo de conta que não a escutava.

Essa parte do meu coração é a que fazia com que ainda aos 10 anos de idade, eu já juntasse colegas em casa pra repassar algumas lições de matemática (veja só!) e de português numa lousinha dada pelos meus pais. Fazia também com que ao longo de todo o ginásio (hoje Fundamental II) eu juntasse sempre alguns colegas na sala em busca de explicações das matérias. No colégio (atual Ensino Médio) fez com que, mesmo eu odiando estudar, juntasse amigas em algumas casas pra explicar como montar o bendito balancete, ou discutir legislação trabalhista. Fez com que na Telefônica eu ficasse sempre encarregada de ensinar o trabalho aos novos no setor em que eu trabalhava. Fez com que eu escolhesse uma faculdade de Humanas, Ciências Sociais e depois, História. Na segunda fez com que eu fosse praticamente uma monitora em uma ou outra disciplina. Foi na época em que me rendi e fui ganhar pra ensinar. Já se passaram 9 anos da primeira vez em que entrei numa sala de aula. Sim, eu me encontrei lecionando, eu nasci pra isso.

O problema, o que vem adoencendo essa parte do meu coração é tão complexo que nem ao menos vejo uma luz no fim do túnel. Adolescentes cada vez mais desinteressados por tudo, apáticos diante de uma sociedade que valoriza cada vez menos o conhecimento, o sentimento, a educação em geral. Toda uma sociedade em que dia após dia crianças entram nas drogas sem pensar no amanhã. Uma geração que embora ainda sonhem (eu acho que sonham), não fazem absolutamente nada pra seguir seus sonhos. Outro problema é a instituição do Estado, na qual encontro-me empregada. Embora na TV apareça o contrário, a valorização do professor, do conhecimento passado por ele, é zero. A valorização do ser humano que lida com centenas de outras vidas todos os dias não existe. O que existe é uma pressão de todos os lados para se diminuir a evasão, a reprovação e as notas baixas, custe o que custar. A vitrine deve sempre ser bonita, não importa como estamos vivendo lá dentro. Não importa se temos condições precárias, se alunos vão à escola apenas por um benefício em dinheiro, se alunos passam drogas dentro da sua sala, se não existe condição física na escola (falta de água, luz). Importa que o professor atribua boas notas aos alunos.

Como um bichinho, tudo isso corroeu aquela parte do meu coração e começou uma verdadeira devastação em outros setores da minha vida. Sono, bem-estar, humor, auto-estima, auto-confiança, ânimo, tudo isso foi pro ralo. Pela primeira vez na vida preciso me afastar de uma das coisas que mais gosto de fazer, lecionar, pra ver se consigo voltar a fazê-lo como sempre fiz, com amor, como um sacerdócio. Tudo isso é realmente muito novo pra mim, e pretendo voltar a escrever por aqui (promessa velha) e contar como será esse meu retiro. Desejem sorte.

3 comentários:

Clarisse Reis, a senhora Robinson disse...

Escolhi esta profissão pra minha vida e fico triste ao saber da desmotivação daqueles que estão inseridos nela. Eu acredito na causa, na profissão, embora esteja preparando o meu espírito para quando eu chegar lá, ja tenha alguma noção do que realmente ocorre.
Que o seu tempo de recolhimento seja frutífero, Bel.
TOdos nós precisamos de um tempo, e você, mais do que ninguém sabe que rumo deverá tomar após este tempo.
Abraços fraternos!

Anônimo disse...

Também sou professora e me encontrei em cada linha desse texto. Tomara que você seja feliz, Bel.

ari dias disse...

Eu conheci o blog hoje e a primeira coluna que eu bati o olho foi logo essa. Eu tô entrando no Estado agora, estou há 05 meses, e já sinto tudo isso aí que você falou. O que mais me entristece é essa necessidade de se apequenar a importância do conhecimento.
Infelizmente estamos em um caminho que não tem volta e vamos pagar muito caro em um futuro próximo.
Arilson Dias - D. Caxias - RJ