30.3.09

Enquanto o mundo não acaba

Depois de um final de semana bacana, lá vou eu pra escola de novo. Essa semana nós, de SP, deveríamos estar saltitantes, pelo menos uma boa parte, afinal, saiu o famigerado bônus por desempenho. Mas a realidade não é bem essa. Embora o meu dinheirinho caia lá, e devo dizer, foi até mais do que eu esperava, isso não resolve nem uma pequena parte dos meus problemas. Vamos ao que realmente tem me incomodado.

Estamos terminando março, meio do primeiro bimestre. Daqui um mês tenho que fechar notas, e se fizesse isso hoje, mais ou menos 70% dos alunos ficariam com nota vermelha. Eu, exisgente demais? Não. O fato é que ao menos onde leciono, parece que foi combinado entre os alunos que lição é coisa do passado. Lição de casa, então, nem pensar. De uma sala de 40 alunos, 6 me apresentaram a tal da lição de casa. Os exercícios que eles fazem em sala de aula tem um ibope maiorzinho, em média 30 alunos fazem algo.

Poderia deixar o circo pegar fogo, deixar a bomba estourar mesmo, e estou cada dia mais tentada a fazer isso. Aí, no dia do conselho, as professoras que apresentam mais notas vermelhas são as incompetentes. Mas já tô até preparada pra ouvir isso dentro de um pouco mais de um mês.

O governo criou a tal apostila do aluno, e eu nem reclamo, pelo contrário. Ali tem exercícios bem dinâmicos, muito bacanas mesmo. Uma pena o fato de eu não possuir nenhum artifício para que eles realmente façam o que é proposto ali. Afinal, o aluno que não faz nada, absolutamente nada, mas está todo dia presente na sala, é aprovado automaticamente. Automaticamente sim, da quinta série até a oitava ele vai sem nem ao menos precisar abrir o caderno, feliz da vida. Chega na oitava série reprova uma vez, no máximo. Ah, sim, reprova é culpa do professor, que não pegou na mão do infeliz e não obrigou a fazer nada.

Aí resulta num primeiro ano do ensino médio que eu tenho. Boa parte não sabe ler. Escrever então, esquece. Vontade de participar da aula oralmente, afim de conseguir alguma nota também é pedir demais. Quando eles estão na sala, as paredes geralmente me dão mais atenção. Claro, culpa minha, somente minha.

Outro dia um encostou um estilete no pescoço do colega, dentro de uma sala de aula. Adivinha? Ele está lá, normalmente, como se nada tivesse acontecido. O outro mordeu uma professora no ano passado. Não preciso falar que o menino continua lá. Alunas se xingam pelos nomes que acho que não escutaria nem numa briga dentro de um puteiro, alunos comentam cenas de filmes adultos durante as aulas, e o xingamento mais frequente na maior parte das salas é 'macaco'. O que podemos fazer? Esperar que o mundo acabe, nada mais. Infelizmente vai demorar, enquanto isso tento ensinar história e um pouquinho de civilidade para alguns poucos interessados.

Poucos.

24.3.09

Music Non Stop

Nem só de trabalho vive a professora. Aliás, tenho me sentido ultimamente como alguém que levanta, trabalha, malha e deita. Mas o post não é sobre isso.

Domingo fui ao show do Kraftwerk e do Radiohead. Devo dizer aqui que comprei o ingresso só por causa do Kraftwerk, o Radiohead pra mim vinha de sobremesa. Na última vez que eles estiveram no Brasil, num festival também, eu me desesperei, não pude ir por vários motivo$. Dessa vez comprei o ingresso lá no começo do ano, quando começou a vender mesmo. Devo dizer também que foi um dos show mais emocionantes que eu vi na vida. Não pelo show, pela performance, nada disso. Mas simplesmente pela emoção de ver os caras lá, tocando aquelas músicas que eu achei que nunca fosse ver ao vivo, músicas que eu nem me lembro mais como e quando comecei a ouvir. Ah sim, ouvi pela primeira vez na saudosa MTV dos anos 90, aquela que iniciava as atividades ao meio-dia. Sim, essa é uma das bandas que conheci e fui atrás sozinha, garimpei fitas aqui, ali, e com o advento da internet pude fazer a coleção inteira deles.

O show durou uma hora aproximadamente, só clássicos, e eu dancei como uma louca. Quando acabou ficou aquela sensação de vazio, cheguei a pensar que nem queria ver o Radiohead. Por sorte estava com meu irmão e cunhada, que não queriam ir embora.

O Radiohead? Bom, foi bom sim. Puta performance no palco, o disco novo, que eu não tinha escutado, é bom demais, com umas batidas super diferentes, nada deprê como Creep, por exemplo. Thom Yorke tem uma presença de palco incrível, dança freneticamente o tempo todo, louco demais. Pequeno, com aquela voz fina, estranha, ganha a cena, prende os olhos de todo mundo.

Ah é, teve Los Hermanos antes. Na boa, eu gosto bastante do trabalho deles, mas essa história de banda que acaba e volta é patifaria. mais patifaria ainda é voltar só pra fazer aquele show. Quem eles pensam que são, o Pink Floyd? Enfim, não achei nada bacana, parecia que o público tava com muito mais gás que a banda. O repertório foi bem médio também.

Sem dúvida, o show da noite, pra mim, foi do Kraftwerk mesmo. Só faltou uma coisa, quero dizer, uma pessoa, que atualmente faz muita falta, acho que acostumei com a boa companhia em todos os shows. Acostumei e acostumei mal. Que venha o Kiss!

17.3.09

Vergonha alheia

Poderia se chamar também 'O dia em que afirmei que começo a ter vergonha de falar que sou professora'

Primeiro, no final do ano passado, a famigerada 'provinha' para os professores contratados. Sinceramente, no primeiro concurso que prestei no Estado passei, e hoje sou professora titular de cargo desde 2006, na rede estou desde 2002. E eis que teve gente que, com 15, 20, 25 anos de sala de aula, teve a capacidade de zerar a nota da 'provinha'. Recurso vai, recurso vem, a nota foi deixada de lado, a atribuição seguiu como se nada tivesse acontecido, e a ilustríssima secretária da educação soltou uma cartinha com um tom de 'a minha vingança será malígna'. Ok, próximo probleminha.

Essas malditas apostilas que o governo resolveu mandar pras escolas. Ele tem lá suas razões, afinal de contas, tem um povo aí aposentando que zera numa prova de conhecimentos da própria disciplina que leciona. Enfim, o fato é que desde o ano passado essas apostilinhas contém alguns errinhos, tais como ensino com C, Idade Média no século XIX, e agora, na mídia, fresquinho, a América do Sul sem o Equador e com dois Paraguais. Além do mais, nem todos os alunos receberam a tal apostila, eu mesma tenho uma sala que não tem. Não queria justificar, mas sou obrigada a dizer que a rede tem os profissionais que merece mesmo. Não queria principalmente porque sou uma delas, e, sem humildade, sou muito professora. Sim, preparo aula, atividades diferenciadas, busco informações novas, soluciono dúvidas, indico sites, livros, filmes.

Ah, ainda tem o problema da infra estrutura das escolas. Minha nossa, tivemos janeiro inteiro, metade de fevereiro, e agora, AGORA, estão fazendo uma reforma na escola em que leciono. Aquela poeira, aquele bate-estaca o dia todo, aquele cheiro de tinta. Sabe como é? Pois é, um ambiente super propício para o estudo.

E nem comentei que qualquer profissional por aí, com um nível técnico, recebe um salário maior do que o meu. Não tô comentando de salário não. Tô comentando da situação cada vez mais ridícula em que o ensino no Brasil está sendo colocado. Ridículo. É desanimador saber que ainda tenho tantos anos pela frente, e saber que é muito pouco provável que um dia isso melhore. Se não piorar, acho que já me dou por satisfeita.

9.3.09

Inferno Astral + o tal do Retorno de Saturno

Já escrevi tempos atrás aqui que nunca fui daquelas meninas que compravam revistas de horóscopo, nunca nem lia no jornal, sempre achei uma grande palhaçada tudo isso. Mas tem coisas que acontecem que fazem a gente pensar e aceitar certas coisas. Por exemplo o tal do inferno astral:

Segundo o astrólogo Eduardo Maia, o "Inferno Astral" só acontece quando não percebemos que precisamos sair do palco para contemplar mais o mundo e nos desapegarmos, em benefício daqueles que precisam de uma ajuda emocional ou prática. "É um período de ser instrumento para o bem dos outros e não estar tão preocupado com causas próprias", afirma. Como isto geralmente não acontece, vem a angústia, o vazio e a sensação de desorientação.

E o Retorno de Saturno:

Entre os 28 e 30 anos de idade, ocorre o primeiro retorno de Saturno, ou seja, o planeta em trânsito se posicionará no mesmo local em que ele estava no momento de nascimento da pessoa e iniciará uma nova volta em torno do zodíaco.Novamente, como em todo trânsito de Saturno, ocorre um doloroso rito de passagem, envolvendo responsabilidades, desta vez maiores do que nunca. A partir deste período, muitas coisas que antes eram parte de uma gama de opções se tornam definitivas. É o momento de determinar o que vai dar impulso aos próximos 28 anos e tudo o que é decidido tem sua repercussão e conseqüência.
Este período representa também o fechamento sobre todo o passado de dependência familiar, uma liberação final de tudo que ligava às servidões da infância e da adolescência, uma aquisição definitiva de autonomia. É o ponto final do caminho de relaxamento de responsabilidades dos pais sobre os filhos.

Deve ser isso. O cansaço, o desânimo, a falta de paciência que tem me atrapalhado nos últimos dias. Sem falar na crise da idade. Toda hora paro, penso: 'meu deus, quase trinta, o que ainda estou fazendo aqui na casa dos meus pais?' Tem também a minha crise financeira particular: 'sou professora, nunca vou ganhar mais do que eu ganho, que na verdade, é o que muitas pessoas sem uma faculdade ganham, e eu tenho duas, pra que estudei tanto?' Tem ainda a crise do profissionalismo: 'onde é que tô errando, por que raios aquele aluno não faz o que eu peço, por que aquele outro escreveu 'vaca' ao lado do meu nome no cartaz na sala de aula, e por que eu me preocupo tanto com um ou dois se a maioria me agrada, por que nos apegamos ao que não dá certo?'

Afff, quantas crises...

Ouvindo no rádio Transmission, do Joy Division. Parece uma trilha sonora mesmo. Tô me irritando já com as coincidências.

2.3.09

Eu e o acordo ortográfico

Eu lembro quando ninguém tinha telefone celular. Durante a minha infância, nem telefone fixo nós tínhamos. O telefone em casa foi instalado por volta de 1998, depois do último plano de expansão (!!!), quando os preços das linhas cairam vertiginosamente. Telefone celular eu comprei quando trabalhava e estudava o dia todo, mas já tava no final da faculdade, lá pra 2000, 2001.

Pesquisa escolar era feita na biblioteca. E era emocionante, afinal, era uma desculpa para ir ao centro da cidade sozinha, sem os pais. Na biblioteca tinha o pessoal muuuuuito mais velho, do colégio. Aí a bibliotecária entregava o livro com o tema que pedíamos (como ela sabia onde tinha tudo?) e íamos lá, copiar tudo, palavra por palavra, e com lápis, não podia usar caneta lá. Um dia descobrimos que havia uma máquina de xérox no andar de cima, mas tinha que subir escondido, com o livro mais escondido ainda. Aí veio a tar da interrrrnete e acabou com os problemas dos estudantes. A maioria nem sabe mais pra que servem aquelas mesas nas bibliotecas públicas.

Lembra do Correio? Ele ainda existe, mas hoje se ocupa de entregar aquelas correspondências indesejáveis, todos sabem quais são. Mas teve um tempo em que eu mandava cartas, pra várias pessoas. Pegava uma folha de caderno, escrevia, escrevia, escrevia, desenhava, dobrava, colocava num envelope, desenhava no envelope também, ia até o correio, colava o selo e lá ia minha cartinha. Uma semana depois a minha resposta estaria no portão. Mais uma vez, a marvada interrrnete veio e acabou com o barato. Não reclamo dos e-mails, mas pelo menos não recebíamos cartas com orações, pedidos de ajuda, casos mirabolantes da noite de são Paulo, nada disso.

Sim, o computador, esse mesmo, na sua frente. A primeira vez que usei isso foi no primeiro ano da faculdade, em 1998. Mas mantive a minha máquina de escrever por um bom tempo. Na faculdade tinha um monte de laboratórios (na verdade só 3), todos com acesso à net, um luxo. Não demorou pra eu viciar naquilo e matar aula pra ficar no bate-papo do uol. Logo consegui comprar o meu.

Música também mudou um pouquinho... lembro da época em que começaram a vender os tais cds. O primeiro cd que eu comprei eu nem tinha o aparelho pra tocar ainda. Lembro de ter comprado alguns discos novos, na loja. É, disco de vinil. Comprei muitos usados também. Hoje acabo não comprando nada, baixo tudo o que eu quero. Era uma briga pra achar 'aquele' disco. Hoje você entra na comunidade Discografias, no orkut, e tem tudo lá, tudo mesmo.

Será que já não vivi inovações demais não? Ainda vou ter que presenciar o novo acordo ortográfico mesmo? Me deparei com isso hoje, ao escrever no meu plano de aula da sexta série: Contrarreforma. Minha nossa! Contrarreforma é de doer. Outra coisa que ainda tá doendo é autorretrato. E o Word não tem atualização, e nem tá com muita pressa, pelo o que andei lendo. Nós professores podíamos ao menos receber uma capacitação gratuíta né?

Quase 29 anos, quase quase mesmo. Quantas coisas ainda vão mudar desse jeito? E nem comentei da fotografia, heim?